Fonte: http://www.abctrust.org.uk/useful_docs/Dowdney-ChildCom02_PT.pdf
Como o Rio de Janeiro não está
oficialmente em estado de guerra, as crianças e adolescentes que trabalham,
armadas, para as facções da droga na cidade são classificadas como delinqüentes
juvenis, criminosos ou membros de quadrilhas. No entanto, o papel dos que tomam
parte nas disputas territoriais das facções da droga talvez tenha mais em comum
com a vida das “crianças soldados” em situações de guerra do que com a vida dos
membros de quadrilhas, segundo definições tradicionais, encontrados em outras
áreas urbanas do mundo.
As favelas não são os únicos
lugares onde se vendem drogas e, apesar de serem bases logísticas essenciais e
defensáveis, elas representam a manifestação mais pobre e menos sofisticada do
tráfico. Os empregados das facções são geralmente da comunidade, sendo aceitos
como uma força sócio-política semi-legítima, tanto por medo como pela falta de
alguma alternativa séria. Não é a completa ausência do poder público que
habilita as facções a dominarem as comunidades faveladas, mas antes o fracasso do
poder público em estabelecer um contrato social com os moradores. Esse contrato
socialé sustentado muito efetivamente
pelas facções.
Apesar das crianças e
adolescentes terem estado no passado envolvidos com o tráfico, hoje nas favelas o envolvimento é maior do que
antes. As crianças que eram empregadas por revendedores de droga, antes do
surgimento das facções em geral, não eram armadas e recebiam “presentes” em vez
de dinheiro ou de um salário fixo em pagamento de seus serviços. O aumento do
número de crianças trabalhando no tráfico começou no início dos anos 80 quando
as facções começaram a se estabelecer
nas favelas do Rio e se intensificou principalmente a partir de 1993,
quando as disputas entre facções se tornaram muito mais intensas. A partir
desse período, crianças e adolescentes começaram a substituir traficantes mais
velhos no trabalho, já que muitos estavam presos ou mortos em confrontos com
rivais ou com a polícia.
As crianças estão expostas ao
tráfico desde muito cedo na favela, e aquelas que se interessam pelo tráfico
começam a “andar” com traficantes,
passando ao trabalho em tempo integral entre 10 e 15 anos. Entram
voluntariamente, não sendo forçadas ou coagidas pelas facções para começar a
trabalhar. A “escolha” do trabalho no
tráfico pode ser definida como a “melhor alternativa entre opções limitadas”.
As opções limitadas são mostradas de modo
cru por um conjunto de fatores preexistentes, comuns a todas as crianças
das favelas do Rio: a dominação pelas facções, a pobreza, a falta de acesso ao mercado
formal de trabalho e o tráfico visto como forma aceitável de emprego. A “escolha”
é também afetada pelos atrativos do tráfico e por outras influências,
vistas como comuns a todos os envolvidos, como o envolvimento de parentes e de
outros grupos de referência.
Os empregos das facções nas
favelas do Rio abertos a crianças e adolescentes são principalmente:
olheiro/fogueteiro; vapor, gerente de boca, soldado e fiel. No nível inferior de
emprego, a divisão do trabalho não é sempre específica e responsabilidades
cruzadas resultam na participação ativa da maioria dos menores na segurança e
na defesa armada da favela contra facções rivais e contra batidas policiais.
Os homicídios por armas de fogo
são a maior causa externa de morte de crianças e adolescentes no Rio. Os níveis
dessas mortes de jovens menores de 18 anos cresceram muito desde o fim dos anos
70. O grupo etário entre 15 e 17 anos é o mais afetado pelas mortes por tiros,
em particular nas regiões da cidade onde são mais comuns os conflitos entre
facções, refletindo que o número de menores que trabalham na segurança armada dos
territórios das facções é maior nessa faixa etária.
Existem fortes semelhanças entre
as crianças empregadas pelas facções da droga no Rio de Janeiro e as “crianças
soldados” , no que diz respeito ao aspecto funcional e definido. Mas as
crianças das facções da droga são basicamente empregados armados de grupos economicamente
definidos dentro da categoria da Violência Armada Organizada. Não são
”soldados” lutando num “conflito
armado" ou numa “guerra”
tradicionalmente definidos.
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